quarta-feira, 23 de junho de 2010

Melamina

Trabalho realizado por Maria Fonseca e Marina Fontes no âmbito da disciplina de Toxicologia Mecanística no ano lectivo 2009/2010. Este trabalho tem a responsabilidade pedagógica e científica do Prof. Doutor Fernando Remião do Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O que é a melamina?

A melamina é uma base orgânica encontrada principalmente na forma de cristais brancos, sendo constituída maioritariamente por nitrogénio. É sintetizada comercialmente a partir da ureia e tem um passo intermediário em que há a formação de acido ciânico. A reacção produz também outros bioprodutos tais como: acido cianúrico, amnelina, e amnelida. O nitrogénio constitui 66% do peso molecular da melamina. É combinada com formaldeído pela indústria para a produção de resinas de melamina, um plástico muito estável, incluindo a altas temperaturas. A melamina é também um dos componentes principais da corante amarelo 150, que é utilizado em tintas e plásticos. Desde 1958 que este composto tem sido usado como fertilizante e ocasionalmente como fonte de nitrogénio não proteico para gado; porém chegou-se á conclusão que não é uma boa fonte de nitrogénio dado que a sua hidrólise nos ruminantes ocorre muito devagar.


Figura 1: - Estrutura química da melamina. Existem seis átomos de nitrogénio numa molécula de melamina. Nome IUPAC da melamina: 1,3,5-triazina-2,4,6-triamina.


Tabela 1. Propriedades químicas da melamina

A melamina é industrialmente usada no fabrico de plásticos, adesivos, resinas, colas, laminados, revestimentos e produtos anti-chama. A palavra melamina é usada para referir tanto o nome químico como o plástico que é feito a partir dela.



A melamina não tem uso alimentar aprovado, nem existem nenhumas recomendações no Codex Alimentarius. Esta substância tem sido ilegalmente adicionada a produtos alimentares com o objectivo de aumentar o conteúdo aparente de proteína, o que tem levado a problemas de saúde.



Baseado em:
Background Paper on Toxicology of Melamine and Its Analogues; R. Reimschuessel, Center for Veterinary Medicine, United States Food and Drug Administration, Laurel, MD, USA; D.G. Hattan and Y. Gu, Center for Food Safety and Applied Nutrition, United States Food and Drug Administration, College Park, MD, USA;WHO, Geneva,2009
Hau, Anthony Kai-ching; Kwan, Tze Hoi and Li, Philip Kam-tao (2009) Melamine Toxicity and the Kidney ; J Am Soc Nephrol 20: 245–250, 2009.

Descrição do evento da contaminação com melamina - China, 2008




Porque que a melamina foi adicionada ao leite e a fórmulas infantis em pó?
Na China, local onde a contaminação ocorreu, por vezes a água é adicionada ao leite de modo a aumentar o seu volume, desta adulteração resulta um leite com baixo teor em proteína. As companhias que usam o leite como matéria-prima, mais concretamente para a produção subsequente de fórmulas infantis em pó, normalmente controlam o teor de proteína através de um teste que avalia o conteúdo em nitrogénio. A adição de melamina, dada a sua constituição química, rica em nitrogénio, aumenta o conteúdo de nitrogénio no leite. O método pelo qual se quantifica o teor em proteína, o Método de Kjeldahl, é um método indirecto, dado que não quantifica directamente o teor em proteína mas sim o teor em nitrogénio, ou seja, o método assume que todo ou quase todo o nitrogénio provém da hidrólise das proteínas que é efectuada durante o método. O primeiro passo neste método consiste na reacção das proteínas com o ácido sulfúrico e consequente formação do sal, o sulfato de amónio. Pequenas quantidade de hidróxido de sódio são então adicionadas, e o sal de amónio é convertido em hidróxido de amónio. Seguidamente este reage novamente com acido sulfúrico em excesso cuja concentração é rigorosamente conhecida, o excesso de ácido sulfúrico é então quantificado através da adição de carbonato de sódio utilizando um indicador de pH, nomeadamente o laranja de metilo.


Figura 2. Métode de Kjeldahl, método quantitativo universal usado para avaliar o teor proteico dos alimentos

A adição de 1 g de melamina a 1L de leite aumenta falsamente o teor em proteínas em 0,4 %. É possível dissolver 3,1 g de melamina por Litro de água á temperatura ambiente sem que haja formação de precipitado o que levará a um falso aumento de 1,2% no teor de proteínas. No caso dos leites em pó, a quantidade melamina a adicionar pode ser maior dado que esta tem uma maior solubilidade a temperaturas mais elevadas, nomeadamente quando é dissolvido em água quente.
Na China mais de 51.900 bebés e crianças foram hospitalizadas devido a problemas urinários, com possível bloqueio dos túbulos renais e cálculos nos rins devido ao consumo de fórmulas infantis e produtos lácteos contaminados com melamina, seis mortes foram confirmadas na China continental.

Um aspecto importante de referir, é que os cálculos nos rins em bebés são extremamente raros!


Vários países reportaram também a presença de melamina em produtos que continham leite, e mesmo produtos não lácteos manufacturados na China. Até á data, reportou-se contaminação de leite, yogurtes, sobremesas, biscoitos, doces e bebidas com café. Todos estes produtos foram provavelmente produzidos a partir de leite contaminado com melamina. Os produtos não lácteos de origem animal, como por exemplo ovos, poderão ter sido contaminados através da alimentação dos animais com alimentos contaminados com melamina. Adicionalmente foi encontrada na China ração animal contaminada com melamina responsável por um significativo número de morte de cães raccoon, em Liaoning, China.
A imprensa chinesa reportou no início de Setembro, que alguns lotes de fórmulas infantis estavam contaminados com melamina. Apesar de não se conhecer com exactidão a data de início das complicações de saúde resultantes do consumo de fórmulas infantis contaminadas, bem como o início da contaminação, presume-se que a contaminação com melamina decorreu durante a produção primária e que foi intencionalmente adicionada ao leite durante 9 meses. Todas as crianças afectadas tiveram uma exposição ao leite contaminado durante aproximadamente 3 a 6 meses até ao início dos sintomas. A contaminação máxima encontrada foi num leite em pó da marca Sanlu de 2,563 g/kg de pó, e foi encontrado em média uma concentração de 0,090 a 619 mg/kg noutros produtos contaminados.

Figura 3. Leite em pó da marca Sanlu, uma das produtora líder na China de produtos lácteos.


Baseado em:
Background Paper on Toxicology of Melamine and Its Analogues; R. Reimschuessel, Center for Veterinary Medicine, United States Food and Drug Administration, Laurel, MD, USA; D.G. Hattan and Y. Gu, Center for Food Safety and Applied Nutrition, United States Food and Drug Administration, College Park, MD, USA;WHO, Geneva,2009
Hau, Anthony Kai-ching; Kwan, Tze Hoi and Li, Philip Kam-tao (2009) Melamine Toxicity and the Kidney ; J Am Soc Nephrol 20: 245–250, 2009.

Toxicologia da melamina:Absorção, distribuição, metabolismo e excreção: Ratos


A melamina foi uma substância praticamente desconhecida para os nefrologistas até 2008 apesar de ter sido estudada com possível agente diurético há 50 anos atrás, porém nunca chegou á prática clínica. Este composto foi notícia aquando do evento de contaminação de leite e fórmulas infantis em pó, na China, no ano de 2008.
Os efeitos tóxicos da melamina interessam agora nefrologistas, pediatras, radiologistas e urologistas.



A melamina não é metabolizada pelos animais e é rapidamente eliminada através da urina. Mais de 90% da melamina ingerida é excretada em 24h inalterada. Esta é rapidamente absorvida e atinge concentrações plasmáticas máximas em 60 minutos após administração oral de dose única a ratos Fisher 344 machos. Esta distribui-se pela água corporal, pelo que as concentrações no sangue, plasma e fígado são similares.
A semi-vida no plasma é de aproximadamente 2,7 h (Mast et al., 1983). Medições feitas com melamina radioactiva suportam a conclusão de que a eliminação urinária é praticamente a única via de excreção (93% ± 4% por dose). A excreção da melamina através da respiração e fezes constitui menos de 1% da excreção da dose administrada.
A semi-vida urinária é de 3 h e o clearance urinário é de 2.5mg/min (Mast et al., 1983). A melamina é eliminada essencialmente pelos rins inalterada.

Tabela 2. Propriedades farmacocinéticas da melamina


Baseado em:
Background Paper on Toxicology of Melamine and Its Analogues; R. Reimschuessel, Center for Veterinary Medicine, United States Food and Drug Administration, Laurel, MD, USA; D.G. Hattan and Y. Gu, Center for Food Safety and Applied Nutrition, United States Food and Drug Administration, College Park, MD, USA;WHO, Geneva,2009

Toxicologia da melamina: Porcos


A administração intravenosa de 6,13mg/kg de peso corporal de melamina a 5 porcos weanling levou a uma semi-vida de 4.04 ± 0.37 h, a um clearance de 0.11 ± 0.01 L/h/ por kilograma e um volume de distribuição de 0.61 ± 0.04 L/kg. A melamina não é extensivamente distribuída pelos tecidos e órgãos. (Baynes et al., 2008).


Baseado em:
Background Paper on Toxicology of Melamine and Its Analogues; R. Reimschuessel, Center for Veterinary Medicine, United States Food and Drug Administration, Laurel, MD, USA; D.G. Hattan and Y. Gu, Center for Food Safety and Applied Nutrition, United States Food and Drug Administration, College Park, MD, USA;WHO, Geneva,2009

Toxicologia da melamina: Outras espécies

A melamina têm sido detectada na urina de cães (Lipschitz & Stokey, 1945) e na urina de gatos que adoeceram durante o episódio de contaminação animal de 2007 (Brown et al., 2007). Existe a descrição de casos em que a melamina foi encontrada no leite excretado pelas vacas expostas a concentrados de proteínas contaminados (Reyers, 2008).


Baseado em:
Background Paper on Toxicology of Melamine and Its Analogues; R. Reimschuessel, Center for Veterinary Medicine, United States Food and Drug Administration, Laurel, MD, USA; D.G. Hattan and Y. Gu, Center for Food Safety and Applied Nutrition, United States Food and Drug Administration, College Park, MD, USA;WHO, Geneva,2009

Estudos de toxicidade aguda: Roedores


A melamina possui baixa toxicidade aguda. Ratos F344/N apresentaram uma dose letal média (DL50) de 3,161g/kg (1,344–4,722) g/kg de peso corporal para os machos e 3,828g/kg (2,787–5,255) g/kg por peso corporal para as fêmeas (NTP, 1983). A LD50 oral para os ratinhos encontrou-se nos mesmos intervalos de concentração que a dos ratos.
O contacto directo com a melamina resulta em irritação cutânea e ocular e a inalação causa irritação do trato respiratório


Baseado em:
Background Paper on Toxicology of Melamine and Its Analogues; R. Reimschuessel, Center for Veterinary Medicine, United States Food and Drug Administration, Laurel, MD, USA; D.G. Hattan and Y. Gu, Center for Food Safety and Applied Nutrition, United States Food and Drug Administration, College Park, MD, USA;WHO, Geneva,2009